A seleção das áreas de intervenção do projeto Conexão Mata Atlântica no estado do Rio de Janeiro foi definida a partir de estudo estratégico direcionado a alcançar os principais objetivos da iniciativa, que incluem o aumento dos estoques de carbono no solo, a conservação da biodiversidade e a promoção da conectividade dos fragmentos florestais da Mata Atlântica na bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul.
Com base em um diagnóstico desenvolvido pela Coordenadoria de Gestão do Território e Informações Geoespaciais do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), setor responsável pela coordenação do projeto, seis microbacias foram selecionadas para receber as ações da inciativa. As microbacias estão localizadas em seis municípios: Italva (microbacia Córrego Coleginho/Olho D’água), Cambuci (microbacias Valão Grande, Córrego Caixa D’água/Valão Grande II), Varre-Sai (microbacia Varre-Sai), Porciúncula (microbacia Ouro), Valença e Barra do Piraí (microbacia Rio das Flores).
As microbacias foram selecionadas de acordo com critérios ambientais e sociais como nível de organização e gestão comunitária; grau de mobilização e conscientização para práticas incentivadas pelo projeto; a ocorrência de espécies florestais endêmicas, ou seja, exclusivas daquela região e importantes para a manutenção da diversidade da flora local; além do grau de conectividade da paisagem e de cobertura florestal indicados para manutenção da biodiversidade.
Segundo a bióloga e assessora técnica do Inea, Mariana Oliveira, foram identificadas áreas com diferentes perfis e maior viabilidade para implementação das ações do projeto. “A microbacia do Rio das Flores, por exemplo, possui uma cobertura florestal bastante significativa, se compararmos com outras áreas de floresta estacional do estado. Já o município de Italva tem uma organização comunitária muito forte, além de ser uma área muito prioritária para a preservação da flora endêmica. Cambuci possui um dos remanescentes florestais mais importantes da região noroeste e uma grande diversidade da flora. Varre-Sai e Porciúncula também representam uma região com mobilização comunitária fortalecida e uma grande concentração de RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural)”, afirma Mariana, que é responsável pelo estudo.
Pontuação das áreas prioritárias
Com o objetivo de potencializar os resultados das ações, foram identificadas áreas prioritárias em cada microbacia, que privilegiam a conservação de áreas relevantes para os mananciais de abastecimento público, assim como para as atividades produtivas (agrícolas). Com base em dados públicos, levantamentos de campo e interpretação de imagens de satélite de alta resolução foram identificados inúmeros pontos de captação e açudes de irrigação, que permitem o uso dos recursos hídricos fundamentais para o uso múltiplo da água nas regiões de abrangência do projeto.
A disponibilidade de habitat também é um dos critérios levado em conta na hierarquização das áreas, considerando que áreas com cobertura vegetal média são ideais para a implementação de ações que busquem favorecer a biodiversidade da flora e fauna local. Considerando que, originalmente, a Mata Atlântica e seus ecossistemas associados cobriam toda a área do estado, a maior parte das espécies não se adapta bem a ambientes não florestais.
Nesse caso, segundo Mariana, é pouco provável que uma área com menos de 10% de cobertura florestal possua uma grande diversidade. “Áreas com mais de 50% de cobertura florestal tem uma boa chance de apresentarem uma alta diversidade, mas provavelmente não se encontram tão ameaçadas. Segundo estudos, 30% de cobertura de florestal é o limiar a partir do qual a diversidade começa a decair, portanto as áreas com uma porcentagem de cobertura próxima a esse limiar são aquelas onde as ações tem uma maior chance de serem efetivas”.
Com base nesses critérios e a partir da subdivisão das microbacias em seções hidrográficas mais homogêneas e de menor área de contribuição (nanobacias), foram atribuídas pontuações de 0 a 10 a cada nanobacia, estabelecendo níveis de prioridade segundo objetivos a serem alcançados pelo projeto, sendo 10 a prioridade máxima, como consta do edital de seleção pública.
Hierarquização das propostas habilitadas
As propostas submetidas ao edital de seleção pública do projeto Conexão Mata Atlântica passam por algumas etapas de avaliação. A primeira delas é a habilitação da documentação, na qual o proponente precisa cumprir todos os requisitos do edital. Após comprovada a habilitação do proponente, a proposta passa por uma análise criteriosa para definição da ordem de relevância para posterior contratação dos serviços ambientais.
Além da pontuação das áreas prioritárias dentro das microbacias que é contabilizada a partir da localização da propriedade, as propostas são priorizadas de acordo com alguns critérios como, por exemplo, a abrangência da proposta de implementação das ações por porcentagem de hectare contratado em relação à área total da propriedade; a abrangência de conversão produtiva por porcentagem de hectare da propriedade; ações em grupo ou em propriedades limítrofes (três ou mais imóveis rurais vizinhos); caracterizar-se como agricultura familiar; possuir Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) ou Área de Proteção Permanente (APP), entre outros critérios listados no edital.
As propostas submetidas e habilitadas serão elencadas de acordo com o somatório dos pontos. Mesmo que habilitadas, as propostas com menor pontuação só serão contratadas caso estejam dentro do orçamento previsto para o período.
Processo de elaboração da metodologia
O estudo para classificação das áreas contou com a participação dos agentes executores e instituições parceiras, entre elas a Embrapa e a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, experientes no apoio a projetos com mecanismo de PSA. Segundo Elaine Fidalgo, pesquisadora da Embrapa Solos, essa troca de experiências envolvendo diferentes atores no processo de definição da metodologia contribui para o fortalecimento das ações e resultados desse tipo de iniciativa.
“Recebemos muitas solicitações de projetos de PSA para apoio e dividimos os mesmos desafios, que orientam o desenvolvimento de pesquisas, principalmente, para o monitoramento dos impactos ambientais e socioeconômicos. O estudo das áreas desenvolvido de forma participativa pelo projeto Conexão Mata Atlântica foi muito completo e traz muitas ideias para outras iniciativas de PSA”, afirma a Elaine, que participou do processo de construção da metodologia.
A Embrapa realizou um levantamento sobre as metodologias adotadas por projetos de PSA no Brasil e no mundo e publicou, no ano passado, o “Manual para pagamento por serviços ambientais hídricos: seleção de áreas e monitoramento” (clique para fazer o download). O manual, desenvolvido em parceria com a Agência Nacional de Águas (ANA), The Nature Conservancy (TNC) e a Fundação Grupo Boticário (FGB), orienta e dá diretrizes sobre como priorizar as áreas, definir os objetivos e principais problemas a serem solucionados, além de indicar como monitorar os resultados gerados.
“Os recursos para desenvolvimento das ações de PSA são limitados e as equipes para execução também são reduzidas. É importante definir bem quais as áreas prioritárias de ação”, afirma Elaine, que também é um das editoras técnicas da publicação, juntamente com as pesquisadoras Rachel Prado, Ana Paula Turetta e Azeneth Schuler.
Segundo o analista em soluções baseadas na natureza da Fundação Grupo Boticário, Thiago Valente, que também participou do processo, os critérios de seleção das áreas foram bastante discutidos e têm ajudado a criar parâmetros para outras iniciativas de PSA. “O foco em áreas menores, no caso das microbacias, facilita a implementação das ações e o monitoramento dos impactos ao proporcionar a união dos esforços, favorecendo os resultados positivos que, futuramente, poderão servir de modelo para ampliação de iniciativas semelhantes”, afirma.
A integração das áreas de meio ambiente e agricultura é outro critério de seleção das áreas destacado por Thiago. “Diferentemente de outras iniciativas que têm como foco a área ambiental, o Conexão Mata Atlântica direcionou sua atuação para áreas em que a Secretaria de Agricultura já implementava práticas produtivas sustentáveis. A mobilização que já existe nessas áreas funciona como engrenagem indutora, além de reduzir os custos de implementação das ações”.
Para Thiago, além de incentivar a sustentabilidade de áreas produtivas, o projeto valoriza o capital natural e fortalece uma economia baseada na natureza. “O projeto propõe gerar oportunidades de negócios a partir da conservação da floresta em pé, assim como a priorização de áreas contínuas (entre propriedades limítrofes) e de projetos em grupo que também fortalecem as cadeias produtivas e incentivam o desenvolvimento do mercado local. As áreas selecionadas pelo projeto têm esse potencial”, ressalta.
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