O mecanismo de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) têm se confirmado cada vez mais como uma política pública viável para conservação de serviços ecossistêmicos em todo o mundo. O tema foi debatido durante a segunda edição do Mountains 2018, evento de projeção internacional realizado ente os dias 10 e 14 de dezembro, em Nova Friburgo, Região Serrana do estado do Rio de Janeiro.
O debate, que contou com moderação da pesquisadora da Embrapa Solos, Rachel Bardy Prad, trouxe diferentes visões e experiências sobre o desenvolvimento de políticas públicas, formatos e a sustentabilidade financeira para financiamento de iniciativas que utilizam o mecanismo de pagamento por serviços ambientais no Brasil e na Europa.
O coordenador executivo do projeto Conexão Mata Atlântica, Gilberto Pereira, compartilhou as experiências da iniciativa no estado do Rio e ressaltou a importância de áreas montanhosas para provisão da água e manutenção da biodiversidade, além de serem mais frágeis em relação aos processos erosivos. “Essas são áreas em que programas de PSA podem fazer grande diferença para a conservação e garantia da conservação e produção de serviços ecossistêmicos, além de contribuir para a sustentabilidade da produção agrícola”.
Para Gilberto, a discussão sobre políticas públicas e a aplicação do mecanismo de PSA evoluiu bastante no estado do Rio graças aos incentivos do governo, mas ainda tem muitos desafios. “A primeira iniciativa de PSA do estado foi aplicada pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Guandu, em 2007. Hoje o estado já conta com um programa estadual próprio de PSA, com decreto que estabelece o programa e cria base legais para sua aplicação. E já estão em andamento diversas iniciativas de PSA, seja no contexto da disponibilidade hídrica ou, como no caso do Conexão Mata Atlântica, voltado para conservação da biodiversidade e estoque de carbono”.
Essa evolução tem contribuído também para uma mudança na visão dos órgãos ambientais, voltada mais para o desenvolvimento das propriedades rurais alinhadas à realidade do estado, integrando ações ambientais e ações produtivas. “O projeto Conexão Mata Atlântica já traz essa nova visão. Logicamente, nosso principal foco são as questões ambientais, mas dedicamos especial atenção aos serviços ambientais em áreas produtivas, a partir do incentivo de práticas de produção que possam gerar impactos positivos ambientais e socioeconômicos”.
Gilberto ressaltou um dos diferenciais do projeto Conexão Mata Atlântica, que destina o recurso do capital ambiental para a reinvestimento na propriedade rural prestadora de serviços ambientais. “É importante trabalhar a propriedade rural como um todo. O sistema é integrado. O ciclo se fecha quando aquele recurso de PSA é investido numa atividade produtiva, diminuindo seu impacto e possibilitando mais serviços ambientais e com isso gerar mais recursos de PSA”.
O projeto selecionou este ano 165 produtores rurais prestadores de serviços ambientais. Serão destinados para o pagamento por serviços ambientais mais de R$ 1 milhão por ano, recursos que serão reinvestidos nas propriedades para o desenvolvimento dos negócios rurais.
PSA com foco em recursos hídricos
Inspirado em outras iniciativas, o Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (CEIVAP) criou, em 2014, o seu próprio programa de PSA para investimento em ações de conservação e restauração florestal em propriedades rurais, em parceria com os 184 munícipios da bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul, principal manancial de abastecimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e responsável pelo abastecimento de mais de 12 milhões de pessoas.
Segundo o especialista em recursos hídricos da Agência de Bacia Brasil (AGEVAP), Flavio Monteiro dos Santos, das 20 propostas apresentadas, nove foram selecionadas em parceria com as prefeituras, que realizam a contratação e pagamento dos prestadores de serviços ambientais. “Nossa principal área de intervenção foi em APPs e em Reservas Legais, que já tinham cobertura floresta. O maior desafio foi a recuperação de áreas montanhosas, muito mais degradadas”.
Flávio também destacou as dificuldades de se desenvolver amplas ações de PSA na Bacia Hidrográfica do rio Paraíba do Sul. Segundo Flávio, os recursos financeiros arrecadados pelo Comitê pelo consumo da água e destinados para ações de conservação e restauração são insuficientes para atender toda a bacia hidrográfica. “O Comitê, que faz a gestão dos recursos da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul, arrecada cerca de R$12 milhões de reais por ano. É muito pouco para uma área tão grande – cerca de 62 mil km² - e com grande importância para o abastecimento público”.
Já foram investidos, de acordo com Flávio, mais de R$ 92 mil em pagamentos por serviços ambientais com previsão de investimentos em torno de R$ 5 milhões até 2020.
Experiências na Europa
Os serviços de ecossistêmicos, termo mais usado na Europa para definição de serviços ambientais, ainda não é muito consolidado, mas tem ganhado cada vez mais importância em Portugal, especialmente no contexto da prevenção dos incêndios florestais recorrentes no país. “Na minha perspectiva e dos colegas que também atuam na área ambiental em Portugal, o mecanismo se apresenta como uma oportunidade única para resolver os problemas gravíssimos em termos ambientais, mas também sociais e econômicos”, afirma João Azevedo, vice coordenador do Centro de Investigação de Montanha (CIMO), do Instituto Politécnico de Bragança, Portugal.
As florestas em Portugal são bastante abrangentes e representam 43% de toda a cobertura floresta da união europeia. Segundo João Azevedo, as estruturas dos serviços ecossistêmicos no país também possuem características diferentes. “A maior parte das floretas de Portugal estão localizadas em propriedades privadas, mais de 40% em áreas montanhosas, diferentemente de outros países da Europa que a maior parte de suas florestas está em áreas públicas”.
Segundo João Azevedo, as florestas em áreas de montanha na Europa fornecem um conjunto muito louvável de serviços ecossistêmicos de grande valor que beneficiam não só a região, mas todo o subcontinente europeu com recursos naturais que incluem a melhoria da condição climática, a qualidade e quantidade da água, biodiversidade e uma série de outros serviços.
De acordo com o pesquisador, os instrumentos políticos e financeiros associados ao mecanismo de pagamentos por serviços ecossistêmicos na Europa fazem parte de programas desenvolvidos pelas pastas da agricultura, da conservação da natureza e da área da energia, além de fundos florestais ou privados, pela iniciativa privada e até mesmo por meio de financiamentos coletivos. “Impostos provenientes dos combustíveis e da exploração do capital natural também têm sido fontes de recurso para investimento em programas de pagamentos de serviços ecossistêmicos”.
Em Portugal, as condições climáticas, a falta de uma gestão focada e a presença de culturas altamente inflamáveis como é o caso dos eucaliptos, que assim como no Brasil é bastante predominante, tem alertado para o aumento do risco de incêndios no país. “Se conseguirmos gerir melhor nossas florestas podemos reduzir significativamente a probabilidade de incêndios florestais catastróficos acontecerem no futuro”.
Segundo João Azevedo, já existem algumas medidas políticas em curso que apontam nesse sentido. “Os proprietários rurais receberão incentivos pela gestão da floresta, embora ainda não saibamos quanto nem quais serviços serão considerados. Há uma comissão nacional que trabalhando nessas definições. Outro incentivo previsto é para o aumento da floresta antrópica, nativa, que é mais resistente aos focos de incêndio”.
A conferência teve como proposta debater sobre a importância das montanhas para o desenvolvimento sustentável e os desafios, as políticas públicas para ambientes montanhosos, os impactos da mudança climática e experiências de ações relacionadas a desastres naturais, as lições de experiências globais e europeias, além de apresentar as pesquisas científicas desenvolvidas sobre o tema.
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